O menino e o poeta, do meu amigo Miguel, romancista, cronista, poeta e também menino!
é como um menininho de sete
(só não pinta o 7).
O menino quer ter nove anos
pra soltar arraia grande, o cação,
que agora não consegue segurar.
Agora ele já tem doze e está querendo paquerar sua vizinha
(aquela menina de olhinho verde)
que nunca lhe deu bola.
O menino e o poeta se conheceram no parque
quando olhavam, deslumbrados,
o fascínio do lago azul.
Eles experimentam sentimentos iguais:
misto de ansiedade, êxtase, arrebatamento e mistério diante das águas profundas e das peripécias da vida.
Cruzam no tempo e no espaço suas almas mabaças.
O tempo! Ah! O tempo, esse vácuo abissal e fugidio
que ninguém retém
a não ser no eterno agora!
Continuam juntos. Mudos. Não carece palavrear.
Com doze anos o menino já entra em filme impróprio até catorze anos. Estão na fila do cinema. A atriz vai
aparecer nua.
Ambos sabem que vieram assistir a fita
só para vê-la pelada.
O menino quebra o silêncio:
- e o que você faz?
- eu também sou menino, responde o poeta.
- então sabe jogar gude?
- sim, muito bem.
- e jogar pião?
- sou craque: o pião roda – vivo – na palma da minha mão:
olhe só o calo que tenho no centro da palma direita.
- que barato! Vou contar aos meus amigos que conheci
um Campeão de Pião!
De repente o menino diz:
- sabe o que eu vou ser quando crescer?
- diga
- vou ser poeta!
- que legal! Mas você sabe o que faz um poeta?
- ah! Eu nem lhe conto. Meu avô era poeta e me explicou tudo.
E continuou o menino: poeta é um homem mágico, pois vê tudo ao contrário do que acontece. Vê colorido onde não tem cor, sente brisa no calor, os passarinhos fazem ninhos no seu ombro. O poeta sabe assoviar bem, pode andar nas nuvens e tocar a lua com o dedo. Se pegar uma flor murcha, ela ficará fresca e sedosa. O poeta diz coisas tão bonitas que nenhuma menina resiste. Namorada pra ele, é só escolher.
- Tudo isso lhe disse o seu avô?
- Isso e muito mais. Quer saber?
O poeta escreve estórias de borboletas amarelas e azuis, fala sempre em amor, sonha acordado pensando que está dormindo. É um porreta! Ele pesca “oré” nas pedrinhas que formam poça. Adora peixinhos vermelhos, céu azul anil, nuvens que formam bichos, e, se chove, ele gosta de se molhar. Poeta não usa guarda-chuva. Ele sabe escrever bonito e conhece tudo de rima: perdão com paixão, lerdeza com esperteza, bonito com infinito, namorada com encantada marisco com chuvisco e flor com amor. Vive no mundo da lua, dizia vovô, mas isso é mentira pois na lua só tem areia, São Jorge e o Dragão.
Pergunta o poeta: - e poeta ganha dinheiro?
- não! Ele não liga pra dinheiro
vive sempre na pindaíba. Ele só quer dar
felicidade, alegria e esperança a quem não sabe sorrir.
Ele nem vê telejornal pois só falam de tristeza.
- Muito bem disse o poeta. Acho que você escolheu certa sua vocação. Parabéns!
Estavam chegando ao guichê do cinema, quando – de repente o menino perguntou:
- e o senhor, o que faz mesmo na vida?
-Ah! Meu filho, eu também sou menino, sempre menino,
Pois – mesmo querendo - não sei nem consigo envelhecer.
Miguel Dias
Cidade da Bahia, aos dias cinco de dezembro de 2009.
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