Quando canta minha alma

“Ainda no útero materno já conheci a música, música com ritmo e melodia, a percussão do coração de minha mãe e a melodia de sua respiração, eis a trilha sonora que acompanhei durante nove meses.

A harmonia destes ritmos se fez presente na meditação, agora acompanhando o meu coração tambor e a flauta doce de meu respirar. E a música se fez completa no canto arrebatador de minha essência divina a trazer bem-aventurança e graça para o viver.

Quando há música em nossa alma, o silêncio passa a ser mais interessante do que o ruído dos pensamentos desordenados tentando achar soluções para problemas imaginários.

Quando há música na alma?

Quando estou pronto a celebrar e agradecer mais do que a me lamentar.

Toda lamentação é um recurso malicioso para não enfrentar o desafio presente. Lamentando eu posso mumificar-me e empurrar para o outro aquilo que só cabe a mim resolver.

Mas a minha vida não pode ser vivida por outro, ninguém poderá realizar por mim o milagre do viver. Por tal motivo não importa muito o que os outros pensam ao meu respeito. De qualquer maneira ninguém vai saber o que minha vida é, senão eu mesmo, e olhe lá, pois descobrir o que é a vida, já é, por si só, um grande desafio.

Se estiver ocupado olhando para a vida alheia, a minha mesma passa na ânsia de algum sentido, de algum milagre que me venha resgatar de mim mesmo, incapaz que sou, melhor, que me sinto, para fazer dela algo mais interessante, belo e motivador.

Há música na alma, mas para ouví-la terei de aquietar-me, terei de interromper todos os demais ruídos, como poderia ser diferente? Se estiver em uma sala com a TV ligada, o radio sintonizado no futebol, o liquidificador funcionando, o telefone chamando, o relógio apitando o alarme sem parar, as crianças correndo de um lado para outro gritando e o cachorro latindo, como poderia ouvir a música de minha alma?

Sem dúvidas, ouvir a música interna não deveria depender da cessação dos ruídos externos, pois em realidade eles nunca param, e nem são o pior obstáculo. O desafio mesmo é fazer calar, a cachorrada interna, o relógio da pressa, o liquidificador das preocupações, o alarme do medo sem razão etc.

O ruído interior é sempre o pior, pois com os ruídos externos podemos dar um jeitinho, mas o quê fazer com o de dentro? Para onde fugiremos?

Tentamos em vão evitar ouvir o que vem de dentro, mas uma hora ou outra o coração gritará, e o preço desta desatenção para consigo mesmo não tardará a aparecer, seja na forma de angústia, de sofrimento emocional intenso ou mesmo como uma enfermidade.

A idéia é que aprofundando-nos em nosso próprio ruído interno encontraremos o silêncio, indo ao encontro dos pensamentos encontramos a origem dos mesmos. Somente a meditação poderá devolver-nos a paz e a sensível percepção interna para ouvir o canto de nossos corações.

Curiosamente toda palavra nasceu do silêncio, encontrando o silêncio, as palavras ganham nova dimensão, novos sentidos, novas funções. O desafio então não é mais fazê-las calar, mas transformá-las em música, em canto, em louvor.

De repente pensar não é mais o problema, pois há agora grande sensibilidade, e todo pensamento se converte num feixe de luz a iluminar a mente dos seres vivos em todas as diferentes dimensões.

Quando minha alma canta toda a criação canta, quando minha alma sofre toda a criação sofre, pois vemos o mundo à partir de nosso olhar interior, um Buda só vê Budas ao seu redor, o pecador só vê pecadores ao seu redor.

Minha alma canta quando agradeço pelo dom da vida, minha alma canta quando expresso meu desejo de felicidade a todos os seres, minha alma canta quando oro pela saúde universal, quando expando o meu amor para toda a existência.

Minha alma canta, dança e celebra independente do que se manifeste agora, pois tudo é auto percepção, autoconsciência, o que quer que esteja acontecendo agora, só acontece para que eu me recorde de quem EU SOU.

Então como não agradecer? Agradecendo vejo a graça descendo em forma de chuva de bênçãos sobre tudo o que vive.

A graça desce sobre todos, mas nem todos estão sensíveis para vê-la e desfrutar de suas bênçãos.

A música divina está tocando, estamos atentos a ela? Isto me faz pensar em quantos músicos maravilhosos conheci tocando em restaurantes para uma platéia inconsciente. Ocupados em comer e falar como poderiam apreciar a mal paga arte, pulsante de um coração pleno de inspiração e beleza?

A música é o amor de Deus manifesto, a manifestação material é o canto divino, um longo, harmonioso e potente expirar celestial. Um momento mais e tudo será inspirado novamente para os pulmões cósmicos, para logo voltar a surgir em forma de canto. Esta é a canção que se renova eternamente.

E porque Deus canta? Para que? Quando você canta no banheiro, você não está cantando para alguém necessariamente, você canta para você mesmo, pelo puro e simples prazer de cantar.

Ora, criaturas amantes do cantar só poderiam ser obras de um Criador também cantante! E ainda que seja por puro prazer, por ser divinal, quando Deus canta, as estrelas e todos os corpos siderais podem então fazer alegremente sua ciranda!

Os motivos do amor? Quais são? O amor acontece, mesmo quando não queremos. O que verdadeiramente é verdadeiro, profundo e natural acontece e pronto… Aceitemos ou não, acontece!
Os pássaros cantam, as cachoeiras cantam, o vento canta, as baleias cantam, os grilos cantam, o mar canta, os sapos cantam, as árvores cantam, as cigarras cantam e ainda que as histórias digam o contrário, aposto que até as formigas cantam, tudo canta, porém algumas notas silenciosas, para serem apreciadas, precisam de um ouvido mais atento e sensível.

A música da minha respiração, o pulsar do meu coração leva-me à música da minha alma.

Minha alma canta! Canta para si mesma, canta para Deus que canta através dela, canta para a platéia das estrelas, que são notas a mais na grandiosa melodia divina, canta para o Sol e a Lua, canta para os seres viventes, canta junto com tudo que canta, celebra junto com tudo o que celebra, pois somos vibrações musicais no grande mantra da existência!

Como diz o rei messias, Davi, o amado:
Cantai salmos ao Senhor, povo fiel, dê-lhes graças e invocai seu santo nome!
Vida Plena!”

Vajrananda (Diógenes Mira), enviado por Francisco Ulisses

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