Sete mulheres



Foi sob a luz do luar, que ela viu muitas mulheres a caminhar. A primeira delas andava como as lobas que uivam. Como as lobas e as feras, corria solta pelos campos, e com seu cheiro atraía muitos machos ao seu redor. A eles se entregava em muitos jogos de amor. Em sua fertilidade gerava muitos filhos para cuidar.


Vivia sem pecado ou remorso, no mundo era livre para amar. Apenas seguia sua natureza, sua programação biológica escrita em código, e transcrita em seu mágico ciclo hormonal. Para esta mulher não havia conflito algum, pois as árvores, as nuvens, a terra e os animais eram seus irmãos e amigos. A esta mulher, meio loba, meio lua, chamaram de fêmea, e ela partiu para um dia retornar.


Veio a segunda mulher, e esta também pensou ser livre para amar, mas além do luar havia uma outra luz estranha a lhe iluminar. Foi sob a luz da consciência esta mulher encontrou o bem e o mal, a culpa e o medo. Seu corpo foi usado, e mesmo ultrajado, e para a liberdade que sonhou encontrou ela a paixão e o desejo que aprisiona o corpo e o coração. A vida se tornou um escuro calabouço entre o desejo e o medo. A esta mulher chamaram de Eva.


Esta mulher também partiu, e uma terceira veio ao mundo. Amou como as lobas amam, e aos homens enfeitiçou em muitos ardis de mulher meio lua, meio serpente. E se viu, um dia, enfeitiçada, enredada nas tramoias que gerou. A esta mulher chamaram de pecadora, de vil, bruxa e feiticeira. Mais uma vez encontrou a dor de amar, e em muitas fogueiras a queimaram, ou partiu pelas mãos de seus amantes.


E mais uma mulher retornou. A quarta mulher temeu o amor, cobriu o corpo de pecados, mesmo que estes lhe incendiassem o desejo. Do mundo se escondeu, e de si mesma fugiu, se negou, se esqueceu; para esquecer a dor de amar, a dor do amor. A chamaram de santa, e morreu mártir.


A quinta mulher ao mundo retornou, e trouxe com ela a dor. Entre a consciência e os uivos da loba que dentro dela ainda rugia, se viu mais uma vez enredada nos dramas do coração e do destino. Ainda assim se entregou ao amor dos homens, e sofreu, e pelas mãos do amor também morreu. E a chamaram de adúltera e traidora.


A sexta mulher não mais quis vir ao mundo. Cobriu seu rosto, seu olhar, seu corpo, em um longo pranto de dor e de espanto! Ninguém a viu e de nome algum a chamaram, mas ela se disse chamar tristeza. Muito tempo passou, até que a sétima mulher a esta terra viesse.


A última mulher enxugou seu pranto e ao mundo veio, e com ela vieram os uivos das lobas, o escuro das noites sem lua, o desejo, o medo, a culpa e o remorso, pois que havia todas as mulheres dentro de seu ser. Esta mulher ousou caminhar por entre as trevas e a luz, por entre o medo e o desejo, e descobriu a escolha de amar. Entre o pranto e a oração, descobriu a ternura. E na luz, na escolha, na oração e na ternura descobriu o amor, e neste amor encontrou a paz.


É que a última tinha vindo para salvar todas as outras, para todas as lágrimas enxugar, para todas as feridas curar e também para rir com todos os risos e brincar com todas as carícias e a todos os filhos acalentar e beijar.


Vendo tantas mulheres desfilarem, com amor e compaixão em todas se reconheceu, no ardor, no medo, na dor, no erro. Em todas elas viu um longo caminho, para encontrar o perdão e o verdadeiro amor. A si mesma chamou de Mulher.


O medo se fez coragem, o pranto oração, o desejo ternura se fez. Mesmo que ela possa claramente ouvir os uivos de uma loba, em seu coração uma nova canção toca, aquela que fala de todos os amores e de um ainda maior, acima de toda a dor, de todo o desejo, de todo o medo e de toda a escolha: a canção da Chama, da Vida que a todos habita.


Em cada mulher neste planeta tantas outras se escondem, dormem no esquecimento do tempo, que como uma corda se estica, mas também se dobra na lembrança das eras passadas. Chamam-se de muitos nomes, Marias, Madalenas, Joanas, Teresas, Anas, Mães, Amantes, Guerreiras, belas ou não, santas ou não, dançarinas do amor e da paixão, do ardor e do êxtase. Todas elas esperam o dia de novamente despertar, de chorar e se alegrar, de rir e brincar, para nunca mais morrer de amar.


Até um dia em que sobre o mundo seus passos não mais serão os passos titubeantes das mulheres-lobas que aprendem a amar, mas os passos largos e firmes de muitas Deusas encarnadas sobre a Terra... 


Ana Liliam

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